segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O menino vento - ML/98

O povo vento veio ventar por cima da cidade. Naquela sua dança desordenada, balançavam árvores, revirando folhas secas. Entre um estouro e outro de venezianas, uma Rajada de Vento grávida, sentiu as primeiras dores - era a hora do parto. Foi se esconder no fundo de um poço seco, e sem que ninguém percebesse, nasceu um pequenino sopro de vento.
Soprando a poeira das calçadas, o povo vento anunciou a chuva e foi embora. Foram ventar noutro lugar. Por que este é seu destino.
No poço ficou o pequeno sopro. Ficou bem sozinho o pobre coitado. Infelizmente, depois do parto, a jovem mãe não resistiu e desfez-se.
O menino vento cresceu ventando em espirais, preso naquele poço sem luz, sem água, sem ninguém. Zimmmmm!! Zimmmmm!!
Quando chovia, as gotinhas de chuva contavam as coisas do mundo antes de se espatifarem no chão:
- Nova York é a capital do mundo! Plóft!
- As meninas usam fitas coloridas nos cabelos! Plóft!
- O mar é uma imensidão azul! Plóft!
E o Menino Vento sonhava com tudo aquilo, mas tinha muito medo e não ousava sair do fundo do poço. Em noites de lua cheia, via as estrelas e o “lumiar” da cidade. Aos domingos sentia o cheiro quente das churrasqueiras e via as pessoas retornando da igreja. Olhava tudo pelo beiral do poço, mas não ousava erguer-se e sair. Vez por outra uma poeira caía lá dentro. O menino esforçava-se para imaginar de onde viria aquele tom de terra avermelhado. E esta com cristais de sal de que praia virá? No entanto sabia que para descobrir o que significavam todos aqueles enigmas teria que sair e ventar pelo mundo. Não! Jamais!! Isso ele não podia fazer... O medo consumia todas as suas forças!
Uma velha fumaça acinzentada ao passar por ali convidou o Menino Vento para voar junto dela:
- Vem que te dou a mão, querido. Também preciso de companhia...
- Não posso, Dona Fumaça, eu tenho medo! Muito medo! Zimmmmm!! E fugiu para o fundo mais escuro do poço. Como se fosse possível ficar ainda mais escondido.
Noutro dia o pica-pau sentou-se no beiral para conversar e limpar o bico:
- Quer dizer que você nunca saiu daí? Tóc, tóc, tóc...
Nunca viu o balanço das jangadas no mar? Tóc, tóc, tóc...
Não sabe como é balançar a saia das moças? Tóc, tóc, tóc...
Nunca sentiu a emoção da multidão em um estádio de futebol?
- Não, pica-pau... Eu não conheço nada disso.
- Então você não conhece os outros ventos? O vento sul? Nem o vento da beira-mar? Não sabe que os homens temem o furacão?
- Ah, as jangadas balançando... as saias das moças... o estádio de futebol... deve ser lindo!! Mas, eu tenho tanto medo! Zimmm! Eu tenho tanto medo! Zimmmmm!
E crescendo solitário naquele poço seco, tornou-se homem, sempre ventando em espirais para cima e para baixo. Zimmmm! Zimmmm! Tinha o corpo retorcido, limitado que era pela prisão. As babás quando não tinham mais argumentos com as crianças mal-criadas, ameaçavam com o barulho que o já Homem Vento fazia dentro do escuro e velho poço.
Não sabiam que ele estava morrendo de medo...
Coitado. Coitado!

Moral da história: quem tem muito medo, não vive a vida.

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