
Quase não conseguiram dormir tamanha a excitação e já estavam atrasados para a festinha. A mãe vinha na frente, arrastando pela mão a caçulinha toda enfeitada; um pouco atrás o pai trazia a gaiola com o precioso casal de periquitos australianos, seguido bem de perto pelo filho mais velho. A manhã ensolarada de outono estava preenchida pelos gritos serelepes que eram ouvidos em todos os cantos do quarteirão. Uma festa para as famílias, explicou a professora entusiasmada - insistindo que os pequenos deviam trazer seu animalzinho de estimação.
Havia um ritual de exibição que normalmente era realizado quando a casa estava cheia de visitas: os irmãos abriam a gaiola dos bichinhos enquanto o pai falseava assobios e gorjeios. O pequeno casalzinho verde fazia vôos que pareciam acrobacias entre os móveis e objetos da sala e deixavam todos os convidados estupefatos. Quando cansavam, retornavam para a casinha-prisão-dourada sem que fosse preciso qualquer esforço dos seus donos.
Até hoje o pai não sabe explicar o que ocorreu. Chegando à calçada na frente do prédio, ele percebeu que estava com o cadarço desamarrado e so se curvar para amarrar o sapato bateu, não sabe bem como, no trinco da gaiolinha. A portinha se abriu. Foi um piscar de olhos e de asas. Antes mesmo que fosse possível esboçar qualquer reação, o macho fugiu. A fêmea ficou quieta, aturdida com a luz e os ventos da rua.
A alegria daquele dia desfez-se como um passe de mágica. A mãe que havia voltado com a menina no colo, não sabia o que dizer. Muito nervoso, o pai pediu que a esposa fosse embora dali e que levasse as crianças para a malfadada festinha. Ela obedeceu sem coragem de dizer siquer uma palavra enquanto ele caminhava de um lado para o outro, desolado. As crianças com as cabecinhas erguidas para o céu queriam ver o “piu-piu” fazer as suas acrobacias.
O pai permaneceu sentado no mesmo lugar por horas, olhando incrédulo a gaiolinha. Sua esperança era de que o periquito voltasse atrás da fêmea. Não voltou. A festa acabou e as crianças foram ver TV. A mãe retomou suas atividades domésticas e a gaiola foi recolocada no mesmo local da sacada. O macho nunca mais foi visto pela família – mas eu, aqui da minha janela, o vejo todos os dias. Ao amanhecer, depois de muitos rodopios e rasgos no céu, ele esfrega o bico na sua parceirinha através das grades...
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