sexta-feira, 14 de novembro de 2008

OS CÚMPLICES - ML/ 08

Acomodado naquele vaso de barro artesanal, o Jasmim era regado com cautela e tinha sua terra adubada pela já nem tão jovem dona da casa.
À noite, quando tudo se aquietava, ela sentava junto ao Jasmim e aspirando seu perfume adocicado, chorava miudinho para que ninguém a ouvisse. Às vezes disfarçava cantarolando canções antigas...
O Jasmim por sua vez, esforçava-se contagiado pela música e pelas lágrimas. Todas as noites havia uma delicada flor para a dona da casa e assim, permaneciam lado a lado naquela solidão compartilhada.
A voz dela era linda e o perfume dele inebriante. Eles eram absolutamente diferentes, mas perfeitos juntos...

Todos comentavam, no entanto só eles sabiam o que realmente se passava.
Uma noite ela não foi chorar ladeada pelo cúmplice. Estava cansada das lágrimas, das lembranças sofridas – o Jasmim passou a ser um símbolo de todas as coisas que não haviam dado certo. Mandava que alguém o regasse, mas ninguém sabia fazer do jeito dela. Trazia adubo e mandava que o mudassem de lugar, mas evitava estar perto dele. Precisava evitar... Não queria mais sofrer, sentia que se aquilo continuasse ela morreria de tristeza. Meses se passaram, ela procurou de todas as maneiras ânimo para refazer o seu caminho. O Jasmim continuava no seu vaso de barro e por algum tempo a presenteou com minúsculas florzinhas perfumadas, até que pela falta de cuidado, ele secou.
Quando a mulher resolveu mudar de casa, de cidade, de vida - trouxe o Jasmim. Colocou-o no melhor lugar da sacada – veio junto das tralhas carregadas, sendo misturado às escolhidas para a casa nova. Ela não tinha tempo para ficar perto dele tão envolvida que estava em dominar as novas chances, as novas oportunidades. E para falar a verdade, ela sabia que era preciso achar a ela mesma antes de ficar perto de alguém.
Uma noite a chuvinha mansa envolvendo a lua cheia, chamou a atenção da mulher. Na sacada, com o coração em paz, ela observa o companheiro vegetal, seco e sem vida. Acomodado ali, inerte.
Questionou os porquês sem resposta - Porque a vida não é como sonhamos? Porque nos separamos daqueles que amamos? Porque a verdadeira essência do ser humano é a insatisfação? Porque envelhecemos sem saber lidar com os sentimentos? Porque deixamos de gostar de determinadas coisas? Porque alguns teimam em assombrar nosso cotidiano com a sua acidez? Porque estou aqui?
Confiante ela sentiu que era capaz de merecer a companhia do bom amigo de volta, compreendeu que a cumplicidade silenciosa era importante demais na vida nova. Foi até a cozinha e trouxe água fresca. O Jasmim sorveu cada gota com o desespero de quem está sedento por atenção.
Ela ficou ao lado dele apreciando a lua e pensando em coisas boas. Revirou a terra com as mãos, acarinhou seus galhos secos. Inspirada pelo momento afetuoso teve vontade de cantar... e de chorar. Desta vez eram músicas alegres. Estava feliz. Agora ela já não precisava mais cantar baixinho para que ninguém a ouvisse.
Sentia-se viva.

Havia reencontrado o caminho.
Tinha certeza de que o futuro seria repleto de felicidade.
Hoje o delicado cúmplice dela, a despeito de qualquer coisa, recomeça a brotar.

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